quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

SONÂMBULO

Aconteceu há pouco menos de dois anos. Era mais um lindo dia em Buenos Aires. Levantei de manhã pra ir trabalhar e fiz tudo que eu precisava fazer, seguindo o meu ritual neurótico de sempre (café, banho, etc...). Quando estou saindo de casa para ir trabalhar, me deparo com um sério problema: cadê a chave? Perdi. Eu fiquei trancado dentro do meu próprio apartamento. Sim, é meio difícil de acreditar, mas era verdade: eu havia me trancado no meu apartamento e agora não encontrava a chave para sair.

Fazer o quê? Lá vou eu procurar a maldita chave. Comecei a revirar tudo: armário, bolso das calças, cama, embaixo da cama, embaixo da mesa, todos os lugares possíveis e imaginários e nada. Fui até pro banheiro e nem sinal dela.

Aí comecei a ficar desesperado, porque meu apartamento não era tão grande assim e eu não tinha mais onde procurar. Já tinha até visto dentro da geladeira e dentro do microondas. Minha última tentativa (última porque era a mais nojenta) foi revirar o lixo. Peguei um outro saco e comecei a tirar todo o lixo que tinha em um saco pra passar para o outro, na esperança da chave aparecer por lá. Adivinha: não apareceu. Nisso eu já tava procurando a porra da chave há meia hora!

Aí pensei em chamar o porteiro do meu prédio pelo interfone. Quem sabe o cara não tem uma chave reserva, né? idiota! Eu podia ter pensado nisso antes de revirar o lixo, né? Tem vezes que a minha burrice me dá raiva. Mas tava um barulho desgraçado no interfone e eu não conseguia “comprender un carajo” do que o cara dizia (que ainda por cima, era em castelhano). B-16: áaaaaaaaaaaaaagua. Mais uma tentativa que afundou.

Desesperado, descabelado, cansado, com o apartamento parecendo o meu antigo quarto em São Paulo de tão zoado que tava (porque eu tirei tudo do lugar pra procurar a chave), liguei pra minha chefe pra dizer o que estava acontecendo e o motivo pelo qual eu provavelmente chegaria atrasado no trabalho. Não sei se ela acreditou muito, mas tudo bem.
Bom, voltei a procurar a chave, afinal, chegando atrasado ou não, eu não podia ficar dentro do meu apartamento pra sempre. Até porque eu não tinha condimentos pra sobreviver nem 2 dias lá dentro (morar sozinho é uma merda...).

Aí foi o momento em que eu estufei o peito e disse pra mim mesmo: agora fodeu! Nessa altura do campeonato eu não tinha mais o que fazer, a não ser apelar para o São Longuinho. O coitado do São Longuinho deve ter uma vida de merda. Ninguém pergunta pra ele como foi o dia dele, se ele está com fome ou o chama pra bater uma pelada. Todo mundo só fala com ele quando precisa dos seus favores. Ele é tipo aquele nerd da sua classe que se sente o máximo na véspera da prova de física, quando todo mundo precisa do caderno dele emprestado (se você era o nerd, não fique triste, hoje você é mais bem sucedido que todos os babacas que copiaram a sua matéria). Sei lá, acho que as pessoas pensam que o São Longuinho não tem mais o que fazer. E tem mais: quando o São Longuinho perde alguma coisa, ele pede pra você ajudá-lo? Não. Então deixa o cara em paz, porra! Aliás, ele recorre a quem? Putz, o cara é um coitado mesmo.

Voltando ao assunto, foi o que eu fiz. Me senti ridículo e hipócrita, mas fiz. E quando voltei a procurar, sem esperança, resolvi pular pra ver se a chave estava em cima do armário. E não é que tava lá mesmo? Filha da puta! Como ela foi parar lá? Era impossível eu ter deixado a maldita chave em cima do armário em CNTP (condições normais de temperatura e pressão).

Descobri que sou sonâmbulo. E descobri também que morar sozinho tem muitas vantagens. Uma delas é que ninguém me viu dando três pulinhos.

Nenhum comentário:

 
eXTReMe Tracker